Às vezes a resposta é mais simples, mas não tão óbvia
Maria Izabel Montenegro
No início de 2020, mal iniciada a pandemia e nossa transição para o virtual, fui convidada para realizar comediação entre um casal, com filhos menores, que havia se casado no sistema da comunhão universal de bens e que tinha um negócio comum onde ambos trabalhavam.
Fui chamada tanto pela formação em mediação quanto pela experiência na área empresarial.
O conflito era bem localizado na relação societária e na definição da relação dentro do universo empresarial.
O divórcio e a divisão dos bens já haviam sido tratados em mediação e atendimento jurídico prévios, mas o casal continuou unido pelos laços de sociedade em uma empresa que representava 100% de suas rendas e com base na qual foram feitos os acordos de manutenção financeira dos filhos.
Os novos conflitos se manifestaram através de uma não aceitação, por uma das partes, do uso do mailing da empresa e das redes sociais – de tamanho e qualidade relevantes – para perseguir projetos pessoais.
Ocorre, no entanto, que essa mesma pessoa, agora desconfortável com a dinâmica, já usava a mesma base para seus novos projetos.
O desconforto era tão grande, que cogitavam a venda da empresa.
Mas a empresa eram eles!
Quando saíssem, os contratos de representação de parceiros estrangeiros perderiam validade. Além disso, ela era a “galinha dos ovos de ouro”. Não podiam matar a galinha sem antes criarem um outro projeto lucrativo!
Algo não se encaixava. Sempre haviam tido bom relacionamento e parecia que pequenas coisas estavam ganhando relevância desproporcional. Buscamos, com sucesso, diversas formas de autoimplicação em pequenos atritos, percebemos e cuidamos de questões de reconhecimento, fomos desatando os nós, um a um conforme apareciam e, de repente, tudo andava para trás. As reclamações recorrentes brotavam como se nenhum percurso tivesse sido trilhado desde o início do nosso trabalho.
Havia algum fator, desconhecido ainda, que gerava insegurança e que, quando estávamos por resolver os pontos trazidos, fazia com que tudo voltasse atrás como se não tivessem se convencido.
Nenhum dos pontos havia sido deixado de lado e havíamos chegado a soluções benéficas para ambos, não havia mais dúvida.
Era algo mais.
Descobrimos, quase que sem querer, o estopim, a fonte inicial da insegurança que alimentava os pequenos fogos ao redor, mas que não mostrava seu cerne.
Conversando sobre a possibilidade da venda da empresa, descobrimos que, recentemente, por questões fiscais, haviam separado a empresa em duas. Uma prestava serviços e outra comercializava produtos. Esse tipo de separação é muito comum e pode, inclusive, ajudar na organização operacional e fiscal.
Mas a grande questão era que, além de dividirem as empresas, dividiram também a sociedade. Cada um era, agora, formalmente dono de uma empresa, mas, na prática, era tudo muito misturado: receitas, funcionários, contratos, contatos etc.
Não queriam duas empresas independentes. Não eram operações divisíveis. A atuação e as responsabilidades de ambos permeavam as duas pessoas jurídicas – irmãs siamesas querendo andar uma para cada lado.
A ideia inicial era cada um desenvolver seu novo negócio, na sua própria empresa, mas precisavam de partes da outra empresa para isso. Além disso, uma delas parecia ser mais valiosa do que a outra. Ou seja, um dos sócios foi beneficiado e outro prejudicado.
Não havia, contudo, a intenção de uma divisão injusta. Ambos se consideravam donos das duas empresas e queriam, a partir dali, começar a trilhar caminhos solos.
Sugerimos desfazer a cisão, arcar com a carga fiscal mais alta, mas deixar a ambos seguros de que: eram donos das duas operações, que não estavam se prejudicando ou ao outro e, ainda, que poderiam se utilizar de parte da estrutura dessa empresa única, para, aí sim, criarem empresas próprias, a serem desenvolvidas e se tornarem lucrativas.
Optamos pela simplificação que os colocava juntos de novo.
Será que funcionaria?
O que resultou foi uma imediata e autêntica expressão de alívio de ambas as partes.
As picuinhas e acusações iniciais desapareceram.
O alívio era de terem a tranquilidade para fazerem suas transições e até mesmo decidirem por manter o negócio funcionando independentemente de trilharem seus caminhos solos. Era como se a galinha dos ovos de ouro servisse de chão e naquela base conhecida podiam confiar. Não teriam que começar do zero.
Permaneceram unidos pela empresa, mas cada um seguindo sua trilha pessoal e até profissional, independentes.
Tenho curiosidade de saber como vão.
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