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Um convite à harmonia

Diana Poppe*




Há quem nasça cantor. Há quem nasça mediador de conflitos. Isso dos talentos já me chateou muito. Preferia ter nascido cantora, mas resulta que nasci mediadora de conflitos. Falta de sorte? Não sei. Dificuldades todas as profissões têm. Alegrias, igualmente. A diferença, no entanto, reside na disponibilidade que as pessoas em geral têm para cantar e a disponibilidade que elas têm para - verdadeiramente - melhorar a qualidade de suas relações. Com um agravante: quase ninguém sabe disso.


De fato, se você perguntar a qualquer pessoa se ela deseja melhorar alguma relação que esteja em conflito, pode crer que é muito maior a chance de ela te responder afirmativamente. Só que dificilmente quem respondeu ‘sim’ a essa pergunta imagina que terá que melhorar, antes, a si mesmo. É quase automática a percepção de que é o outro quem terá que mudar.


Usando o divórcio como exemplo, é difícil que um cliente recuse a oferta de seu advogado de tentar um acordo. Porém, no primeiro convite que o advogado faz para esse mesmo cliente ceder o tempo idealizado de convívio com o filho, ou pagar mais alimentos do que o que tinha em mente, ou dividir de outra forma o patrimônio, a disponibilidade manifestada para o consenso começa a sair de fininho da sala.


O trabalho do mediador é árduo. Em nada ele se assemelha ao de um cantor, mas poderia ser considerado o de um maestro. Ajusta o tom das falas, faz calar, faz ouvir, faz tocar. Decifrando o cenário, vai conseguindo fazer com que as pessoas entendam suas notas e escutem notas do outro. Não é só restabelecer o diálogo. É melhorar a qualidade de uma relação para que ela encontre entrosamento, empatia e saídas honrosas. É buscar harmonia.


A relação de um ex-casal com filhos dura para sempre. Nos primeiros anos de vida da criança, mais intensamente, depois menos, mas quando o neto nascer, dando tudo certo, estarão disputando juntos espaço no vidro da maternidade. Será que conseguirão se abraçar quando o netinho chegar, ou apenas se darão cumprimentos a distância? Ou nem isso?


Existe uma cultura por trás da forma como as pessoas se relacionam. E antes de criticamos o Brasil e sua cultura de litígio, vale observar que sempre existiu na história da humanidade alguma predisposição ao conflito. Quantas guerras, disputas, cadafalsos, julgamentos em praças públicas já vimos em filmes? Praças que antes tinham pendurada num palco uma guilhotina e que hoje, com a internet, podemos mal comparar com os “cancelamentos”.


Recentemente li o livro do Woody Allen. Ele foi inocentado perante a corte americana num processo complexo de perícias, testemunhas e exames. Mas quem quer saber a versão dele da história? Quem quer ouvir que ele era, de fato, um bom pai para seus filhos? Ele e Mia Farrow nunca foram casados, você sabia disso? Eu mesma me surpreendi quando li essa notícia em seu livro. E por que o senso comum acha que houve um casamento e que ele se casou com sua filha adotiva, antes de molestar sexualmente outra filha adotiva? Porque os jornais sabem que as pessoas querem a intriga, o conflito, a briga, a indignação, o julgamento. Alguém sai de casa só para ver o mar quando ele está calmo? Ou são as ressacas que atraem maior público?


Para essa predisposição quase que natural ao conflito, os mediadores fazem um convite: e se nosso olhar implacável sobre os outros, se voltasse para nós mesmos? Ou se nosso interesse quase genuíno pela disputa, encontrasse um lugar também genuíno para o acolhimento? Dá para imaginar como seria mais fácil conviver em sociedade se antes de falarmos mal do outro falássemos mal de nós mesmos? Se nos criticássemos com o mesmo rigor? Se buscássemos verdadeiramente descobrir onde erramos? Se nos corrigíssemos e mudássemos comportamentos que afetam ao outro negativamente? Ou se entendêssemos como contribuímos para aquela situação ter se apresentado, sem nos culparmos, mas assumindo nossas responsabilidades, indagando o que poderíamos ter feito melhor?


A mudança de paradigma que a mediação de conflitos pretende é bastante audaciosa, está clara: mudar a direção dos olhares, ampliar a capacidade da fala e da escuta.


Certamente é mais fácil convidar as pessoas para cantar!


Se estivéssemos sozinhos a vida seria mais fácil? Bobagem... Não estamos sozinhos, nem seremos sozinhos E a vida nunca é fácil.


Então, se um dia você receber um convite de um mediador para melhorar a qualidade de uma de suas relações, saiba: não é um convite para soltar a voz no show de seu cantor preferido, mas é um convite e tanto! Vai exigir muito de você, mas dando tudo certo, vai mudar o seu olhar, sua forma de se expressar e de ouvir. E já que nunca existiremos sozinhos, que a vida não é fácil e que sempre haverá disponibilidade para cantar, esteja disponível, também, para buscar harmonia.


Diana Poppe - advogada de família, concluiu o Curso de Direito na PUC - Rio, em 1999. Atua como advogada de família desde então trabalhando em escritório próprio. Em 2007, formou-se em curso de literatura e criação literária pela Escuela de Letras de Madrid. Em 2013, concluiu curso teórico de Mediação promovido pelo Mediare. Capacitada para Práticas Colaborativas em Direito de Família, por Pauline Tesler, em 2014. Em 2015 foi palestrante do X Congresso Brasileiro de Direito de Família para apresentar seu trabalho intitulado " A Responsabilidade Social do Profissional de Família - novos desafios e perspectivas" trabalho que também promoveu em curso na AASP. É autora do livro “Manual do Bom Divórcio” publicado em 2017 pela ed. Globo. Em 2018 palestrou como convidada no III Seminário Potiguar do Direito das Famílias e Sucessões promovido pelo IBDFAM/RN onde falou sobre desafios práticos e atuais da advocacia de família.

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