O mediador, sentimentos e reflexos
Mauro Smiriglio*
Dia desses tive o privilégio de participar de um rico encontro on line sobre mediação familiar, tendo como palestrante uma excelente mediadora e colega (salve Dra. Larissa!); e, ao ouvi-la discorrer sobre a necessária imparcialidade do mediador e seus aspectos, me peguei a refletir sobre uma questão que sempre rodeia meus pensamentos e reflexões quando tratamos desse tema.
Falo isto porque, ao participar de cursos de formação de mediação, precisamente quando adentrava o tempo das práticas e simulações (por meio de casos sugeridos pelos docentes), tornou-se recorrente observar, invariavelmente, a ocorrência de identificação - pessoal ou de colegas - com as histórias (características e fatos da vida dos personagens) que representávamos nos exercícios/casos então indicados. Ou seja, quer exercitando a prática na função de mediador quer na função de parte mediada, podia, por vezes, observar a angústia e o sofrimento que tomava conta de colegas ao ter que viver e representar histórias que espelhavam pedaços, momentos e ou acontecimentos das histórias de suas próprias vidas.
Fato é que os sinceros relatos generosamente confidenciados e compartilhados nos trabalhos de reflexão (pós exercícios práticos) mostravam o quanto era árduo e até doloroso para algumas pessoas investidas na função de mediador exercer o mister com imparcialidade e neutralidade, ante ao exercício proposto. Travavam um marcante desafio. Não eram poucas as vezes que acabavam a sessão extenuadas, e até agitadas internamente (segundo próprios relatos).
Ora, se isso acontece em casos e exercícios de simulação, como se sucederá na vida cotidiana, ante aos mais variados conflitos, mormente naqueles que envolvem conflitos familiares? Será que o mediador reflete sobre tais questões? Vou além: será que consegue trabalhar tais questões de forma consciente, buscando seu burilamento profissional?
Num recorte pessoal, posso dizer que não foi diferente quando tive a oportunidade de atuar como mediador voluntário num projeto de mediação pré-processual realizado na Defensoria Pública de São Paulo (Núcleo Liberdade). Lá também observava as vezes que me sentia tocado ou impactado por algum caso ou história relatada pelas partes. Tocado por situações e falas semelhantes àquelas por mim vividas, rápida e momentaneamente também cheguei a revisitar minha própria história; nesses momentos, respirava fundo e, conscientemente, buscava voltar o foco na atenção e escuta das partes, livre de mim, esforçando-me para estar totalmente disponível e imparcial aos mediandos.
Mas, terminadas as sessões, tais situações me traziam, além de reflexões, a constatação de trabalhar meus próprios sentimentos e necessidades, de forma a manter minha observação atenta e imparcial, sem qualquer identificação com quem ou o que quer que seja.
Nesse sentido, penso que uma forma de recomposição, de entendimento e, principalmente, de aperfeiçoamento, seria o mediador trabalhar e identificar os seus próprios sentimentos e necessidades surgidos na mediação.
Penso que esse trabalho pode ser dar com apoio e no seio da própria equipe de mediação, com a figura do observador, do parceiro/parceira de mediação (comediador) e, principalmente, na supervisão, instrumento fundamental.
Mas, antes de tudo, penso que o próprio mediador, tocado que será, invariavelmente, nos casos da vida, poderá desenvolver a própria sintonia fina para, ao menos, escrever exclusivamente sobre aquilo que lhe toca, que lhe atinge.
O exercício integral e com plena excelência da profissão de mediador não está, entretanto, dissociada da sua condição de pessoa humana, com necessidades, sentimentos e emoções próprias. Para atuar com a necessária imparcialidade, deve sim o mediador estar plenamente consciente, a fim de entender todas essas questões de forma plástica e natural, sabendo focar as falas, expressões, comportamentos, interesses, necessidades e sentimentos das partes mediandas, protagonistas que são da mediação, separando muito bem o que é seu (e que não importa ao andamento da mediação) daquilo que é das partes, livre de qualquer interferência.
Para isso penso ser fundamental a plena humildade para o não saber e a disponibilidade total para escutar os mediandos! Quanto à sua própria história, algumas premissas como: a busca e o investimento no autoconhecimento, o contínuo trabalho em equipe e parceria, e a certeza de que ser mediador é algo que se trabalhará por toda a vida certamente contribuirão!
* Advogado de formação, com atuação preponderante em Direito Sucessório e planejamento patrimonial, Direito Imobiliário e Direito de Família; pós-graduado em Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do MP de São Paulo; Mediador privado e judicial com formação e certificação em Mediação pela FGV/SP Law e certificado em Mediação Familiar Emancipatória pelo Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal – IMAP; cadastrado no TJSP, com atuação na fase pré-processual no Núcleo de Família da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, também na Defensoria Pública de Porto Alegre/RS. Integrante (com orgulho) do grupo de estudos do E-MER! e leitor assíduo do Mediando por aí!
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