Mediando na França, ou melhor, fazendo amigos...
Beth Haimenis*
O ano era 2019. A vida me levou a morar na França, em Lyon. Cidade linda, 2.265.375 habitantes, também conhecida como “Ville de Lumière” ou “Cidade das Luzes” (mas isso já é história para outro post...). Na mala, muitos livros de Mediação, um recente Certificado do Curso de Mediação Familiar dos brilhantes professores Juan Carlos Vezzulla e Pedro Martins, e muita vontade de mediar.
Aqui cabe um parênteses: em 2017 tive a felicidade de participar, em Paris, do “Colloque Internacional “Médiation et Villes des Intelligences”’, isto é, um encontro científico entre diversos acadêmicos, juristas, entre outros, de abordagem multidisciplinar, que se propunha a discutir o futuro das cidades em prol da construção de dispositivos que as tornassem habitáveis e sustentáveis, incluindo aí uma interface entre a chamada sociedade civil com os governantes que orientam as políticas urbanas por meio da pesquisa-ação, com ênfase no entendimento mútuo e tendo como ferramenta para tanto, a Mediação.
Voltando a 2019, na mala, além dos livros etc., também levava muita esperança.
Ao longo do primeiro mês, descobri um mercadinho português que vendia produtos brasileiros, bem perto da minha casa. Com saudades do feijão e do pão de queijo, lá fui eu. No caminho, descobri a “Maison des Familles” (Casa das Famílias), uma associação criada em 2013 com missão de proporcionar a casais, pais, jovens e idosos ajuda para viverem melhor as suas relações. Logo na sua fachada, entre todos os serviços oferecidos, tais como atendimentos, cursos, formação, a casa dava destaque à Mediação.
Com o coração batendo mais forte, fui conversar com a proprietária do apartamento em que morava, que, por coincidência, era assistente social e trabalhava na Maison. Ela foi muito receptiva, positiva, mas me aconselhou a dominar o francês, bien sûr.
Na busca de cursos e informações, descobri que, na esquina de casa, a Universidade Lyon Catholic oferecia cursos de Mediação, e em especial, Mediação Familiar, minha “menina dos olhos”.
A essa altura, lembrava do professor Pedro Martins dizendo que Lyon era um polo de Mediação e que ele tinha alguns conhecidos por lá. Ou seja, bastava eu aprimorar meu francês e tomar coragem.
Ainda nesses dias e numa dessas coincidências da vida, a queridíssima e competentíssima Mediadora Glória Mosquéra me enviou um print de uma conexão sugerida a ela, via LinkedIn, de uma brasileira, Mediadora e moradora de Lyon!
Claro que corri atrás dessa conexão e fui muito bem acolhida. Ela era advogada no Brasil, estava há quase 10 (dez) anos em Lyon e tinha feito a formação em Mediação na Universidade Lyon 2.
Para minha surpresa, soube por ela que, apesar das formações teóricas, na prática, tal qual como aqui, a Mediação ainda estava muito incipiente, cercada de debates e discussões, e com pouca ação. Existia a questão entre a Mediação Judicial e a Privada; outra discussão era em relação à especialização dos Mediadores, isto é, para fazer Mediação em Família, o Mediador deveria obrigatoriamente ter uma formação nessa área.
Apesar do ‘banho de água fria’, resolvi que, como ainda tinha um longo caminho a percorrer em me aperfeiçoar no francês, usaria esse tempo para entender melhor o sistema francês, ajustando melhor minhas expectativas. Mas desse encontro originou uma grande amizade.
Pouco tempo depois, com saudades da nossa terrinha, fui a um evento de brasileiros e lá tive a oportunidade de conhecer uma outra Mediadora brasileira que estava decidida a mediar na França. Ela tinha experiência em mediação empresarial, era outra entusiasta e vibrou ao saber que tinha encontrado mais duas pessoas da sua “espécie”. Viramos grandes amigas.
Fizemos planos, sonhamos. Enquanto criávamos linhas de ação, soubemos que a Universidade Lyon 2 começava seu primeiro projeto de Laboratório de Mediação (“Clinique de la Médiation de l’Université Lyon 2”), isto é, núcleo de atendimento para os alunos, com supervisão dos professores. O que já existia por aqui há mais de 10 anos...
Aí veio a pandemia, os sonhos mudaram, os planos foram ajustados, e voltei para o Brasil orgulhosa de nosso trabalho por aqui, de como estamos estruturados e prontos. Falta a sociedade civil conhecer melhor e confiar nesse Instituto.
Apesar de não ter tido oportunidade de mediar, fiz grandes amigos para a vida toda.
* Beth Haimenis - advogada de família e mediadora de conflitos.
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