Jogos olímpicos e mediação: um diálogo possível
Adriana Novis Leite Pinto*
Uma cena nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 me comoveu muito e a todos que tiveram a oportunidade de assistir: a medalha de ouro compartilhada por dois atletas na prova de salto em altura, o italiano Gianmarco Tamberi e o catariano Mutaz Essa Barshim. Após saltarem 2,37 metros, os oficiais olímpicos deram mais três tentativas a cada um e eles não conseguiram superar a marca seguinte de 2,39 metros.
De acordo com o regulamento, o critério de desempate seria repetir a altura máxima alcançada pelos dois, até que um deles falhasse.
Foi então que Barshim tomou a iniciativa de consultar o juiz sobre a hipótese de desistirem da disputa e terem duas medalhas de ouro. A resposta positiva do árbitro levou Tamberi, o próprio Barshim e todos que assistiam à competição ao ápice da emoção! Foi uma verdadeira comoção no Estádio Olímpico de Tóquio. Uma cena inesquecível que ficará registrada para sempre nos anais dos Jogos Olímpicos.[1]
O que esta história tem a ver com a mediação? Imagino que o leitor possa estar se perguntando. A meu ver, muita coisa. A primeira ideia que me ocorre é interpretar a atitude dos atletas como uma bela metáfora de um dos principais pilares da mediação: a busca por soluções que sejam benéficas para todos os envolvidos. Com a desistência da disputa esportiva, só houve ganhadores. O prazer de compartilhar o empate foi, para ambos, vitória maior do que a glória da consagração individual.
Ao desistirem de seguir competindo, os atletas renunciaram ao desejo de mostrar que um é melhor do que o outro. Ambos são atletas excepcionais, não precisavam provar superioridade. Ganhar juntos tornou-se mais importante do que derrotar o adversário. Escolheram sair do paradigma da competição a todo custo para o paradigma da colaboração, tão caro na mediação.
Barshim e Tamberi mantêm uma relação de amizade e nutrem forte admiração um pelo outro. Já se apoiaram, mutuamente, em momentos em que se recuperavam de lesões. Para Tamberi, ganhar o ouro em Tóquio era um sonho antigo que não pôde ser realizado no Rio de Janeiro em 2016, por conta de uma lesão no tornozelo que o impediu de participar das competições. Para Barshim, o ouro olímpico de Tóquio era a conquista que lhe faltava, após sagrar-se campeão mundial na modalidade, em 2019. Se insistissem, o atleta do Qatar provavelmente teria mais chances de conquistar o ouro, e o italiano de ficar com a prata, já que estava em desvantagem devido à grave lesão que sofrera.
No entanto, em nome da amizade, dos valores comuns, dos laços afetivos e do espírito esportivo que os une, optaram por uma atitude colaborativa, justa, solidária e plena de respeito e compaixão, que ajudou a manter viva a vontade de Tamberi de seguir no atletismo.
Assim também fazemos na mediação, especialmente naquelas em que há uma relação continuada no tempo entre as partes envolvidas. Busca-se identificar os valores, as necessidades, os interesses e desejos dos mediandos, tentando encontrar convergências e pontos em comum, que servirão de base para a construção de novas formas de convivência, que sejam harmônicas e tragam satisfação aos envolvidos.
Outro aspecto percebido neste acontecimento esportivo, que pode ser relacionado com a mediação, foi o protagonismo e a autonomia da vontade das partes envolvidas. Consultado o árbitro oficial da competição, consoante às regras estabelecidas, coube aos próprios atletas a decisão e a responsabilidade de interromper a prova e compartilhar a medalha de ouro.
Assim também se espera que aconteça nos processos de mediação, onde o mediador deve propiciar um ambiente de acolhimento, confiança, neutralidade e imparcialidade, suspendendo seus próprios julgamentos e opiniões e favorecendo aos mediandos a oportunidade de assumirem o protagonismo e a responsabilidade pelas decisões que impactarão em suas vidas.
Muitos, como eu, viram na atitude dos atletas um exemplo inspirador, entretanto, para outros, foi alvo de críticas e discussões acaloradas nas redes sociais e na mídia. Alguns consideraram ter ocorrido um mero acordo de cavalheiros, chegando a interpretar a situação como “piegas”, “vergonha histórica” e “falta de espírito competitivo”.
Respeito a opinião alheia e a pluralidade de ideias, mas, neste caso específico, prefiro valorizar a grandiosidade do gesto dos dois atletas, que permitiu a ambos realizarem seus sonhos e nos trouxe a oportunidade de enxergar os Jogos Olímpicos para além de uma disputa por medalhas e recordes.
*Adriana Novis Leite Pinto é psicóloga, com formação em psicanálise e fonoaudióloga. Mediadora de conflitos capacitada pelo Mediare e Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Capacitação em Justiça Restaurativa e Processos Circulares e Diálogos Colaborativos pelo ISA-ADRS. Capacitação em Mediação Escolar. Especialização em Mediação Familiar pela PUC Rio. Capacitação em Práticas Colaborativas no Direito pelo IBPC. Certificada em Práticas Colaborativas e Dialógicas pelo Interfaci, Houston Galveston Institute e Taos Institute. Formação em Biblioterapia. Fazendo formação em Terapia Comunitária Integrativa pelo MISC-RJ e ABRATECOM, psicóloga voluntária do Time Humanidades, mediadora judicial voluntária no TJ-RJ e no Banco de Horas do Mediare. Contadora de histórias voluntária no Projeto Viva e Deixe Viver. Servidora pública estadual com atuação na Secretaria da Casa Civil.
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