A mediação quando as partes têm uma grande conexão
Cristina Trindade
Nas mediações em geral, sejam elas de família sejam empresariais, não é raro que as partes cheguem à “mesa” carregadas de mágoas, raiva, trazendo consigo na bagagem interesses que não foram satisfeitos anos atrás, ainda presentes e não resolvidos. A comunicação entre essas partes já está quase que totalmente interrompida, estando ainda conectadas por meio de processos antigos que se arrastam no judiciário.
A condução dessas mediações demanda dos mediadores o uso de todas as técnicas disponíveis, bons resumos, esclarecimento constante, uso de perguntas autoimplicativas nas seções individuais e outras. A construção do “rapport” se faz extremamente necessária de modo a que essas partes se sintam igualmente acolhidas e amparadas pelos mediadores.
A construção da pauta subjetiva com cada uma das partes e a análise conjunta com as partes é de suma importância para clarear o ambiente e permitir, numa segunda fase, passar à pauta objetiva, falando de valores.
Na transição da pauta subjetiva para a objetiva, é necessário, na maioria das vezes, sessões com os advogados que porventura ainda não conheçam a mediação, de modo a que possam informar e assistir os seus clientes em todo o processo.
Numa das últimas mediações de família que fizemos, pai e filho chegaram para uma sessão on-line de uma mediação, com seus respectivos advogados, parecendo, em princípio, como algumas outras mediações recorrentes, em que as partes se apresentam com mágoas do passado e falta de conexão.
Todos identificados, princípios da mediação apresentados, partes pela primeira vez numa mediação. Sempre gostei de fazer sessões em que as partes nunca participaram de uma mediação. As expectativas são as mais diversas.
Aqui, pai e filho estavam envolvidos em um emaranhado de processos iniciados quando a filho ainda era menor, abertos pela progenitora que o representava na época. O assunto principal era alimentos.
Logo na primeira fala, na fase da investigação, o pai abre a sessão deixando claro que ama esse filho e que jamais deixará de cumprir seu papel tanto amando e protegendo assim como cuidando que não lhe falte nada. Seus advogados complementam a fala trazendo o embasamento legal dos pleitos do pai, deixando claras suas estratégias.
O filho, por sua vez, visivelmente constrangido, demonstrando que o seu sentimento era de total falta de preparo para um enfrentamento desse porte, assistido por seu advogado que prontamente rebateu a fala dos outros advogados.
Aqui foi o ponto em que as mediadoras trouxeram e reforçaram a necessidade de se apaziguar os sentimentos, enfrentando primeiramente a parte subjetiva tão latente nesta mediação.
Sessões conjuntas e privadas nos traziam uma experiência nova em que as partes eram extremamente conectadas, deixando bem claro o quanto se amavam. Essa conexão era tanta que eles nunca conseguiram falar um com o outro claramente sobre os processos.
Iniciamos, então, uma sessão privada com o filho e seu advogado. Com muito cuidado, fomos estabelecendo rapport favorecendo aos poucos sua confiança no processo de mediação e nas mediadoras. No início, algumas perguntas sendo respondidas pelo advogado e, aos poucos, por ele mesmo num fio de voz.
Através de perguntas reflexivas, foi se descortinando a certeza de que, apesar de toda a conexão e amor, havia sim um problema de comunicação entre eles. O filho não conseguia fazer este pai entender que, primeiro, não gostaria de estar nesta posição e que, agora estando, não deixava de se preocupar com a segurança da mãe.
Em seguida, na sessão privada com o pai foram trazidas mágoas da ex-companheira, de anos atrás. Interessante como, apesar da separação há muito tempo, algumas situações, decorrentes de interesses não atendidos na época, ainda povoavam os sentimentos desse pai. Nessa sessão, os advogados já começaram a trazer propostas, acenando para o início da negociação, autorizando as mediadoras a levar o pleito para o filho.
Em sessão conjunta posterior, os advogados trouxeram suas propostas. O filho, então, nos pede uma sessão privada e nos faz um pedido:
– Você pode pedir ao meu pai para ir numa sessão da minha terapeuta comigo?
Confirmo o entendimento e pergunto se devo fazer em sessão individual ou na conjunta.
– Na conjunta agora, por favor!
O pedido foi feito quando voltamos à sessão conjunta, ao que o pai, muito emocionado, respondeu e perguntou:
-Claro que sim, mas ele também pode logo depois vir comigo no meu terapeuta para conversarmos?
As mediadoras, então, vislumbram um claro sinal de abertura desse canal de comunicação.
Passou-se, então, na sessão seguinte, à pauta objetiva, em que entendemos que a progenitora, a despeito de não estar na mediação, tinha uma influência muito grande na negociação.
Mediação quase interrompida pelo menos duas vezes quando, então, a equipe lembrava aos mediandos que aquela mediação ainda era a grande chance real de consenso, podendo interromper mais de 8 anos de processos judiciais com desgaste emocional e financeiro para todos.
A despeito de os advogados, a todo momento, lembrarem às partes os limites das estratégias traçadas, como se fosse um rio que algumas vezes saía em algum meandro um pouco de seu curso se espraiando nas margens devido ao forte sentimento entre os dois, nos deixando claro que o vínculo entre eles e os sentimentos envolvidos eram muito importantes naquela negociação.
O acordo então começa a tomar forma. Reagendada uma nova sessão.
As partes voltam cheias de emoção, anunciando um acordo, advogados cederam em parte de suas estratégias e a mediação se encerra regada de emoção.
Cristina Trindade – Mediadora Judicial e Privada – Co-fundadora da Facilitando Diálogos – Cristina.trindade@facilitandodialogos.com.br