A confiança do mediador como fonte de apoio e incentivo para os mediandos
Leila Amboni*
Uma das minhas primeiras lições nos estudos sobre Mediação de Conflitos foi a de que o mediador não pode querer mais do que os mediandos. Àquela época, o "bichinho" da Mediação já tinha me mordido e, unido à minha característica de aquariana inconformada com o mundo, me fizeram absorver essa informação, mas manter ressalvas que eu nem sabia explicar exatamente quais eram. Ali, eu já acreditava no potencial da Mediação para transformar as relações (comerciais e pessoais) e desejava que todos tivessem a oportunidade de se utilizar desse método.
Minhas ressalvas se ampliaram com o tempo, conforme fui realizando mediações no âmbito público e privado, e tive a oportunidade de observar, na prática, os benefícios que aprendi na teoria. Antes, eu acreditava que eles eram factíveis, mas ainda me perguntava como, na vida real, era possível viabilizar a coconstrução de soluções em situações de conflito latente e escalado, no meio de mágoas e ressentimentos. Ver na prática, sentir a diferença que fazem a escuta ativa, o acolhimento, os resumos, as perguntas de esclarecimento e autoimplicativas, bem como todas as outras ferramentas apreendidas na formação, me fez ter a plena convicção do quanto pessoas, empresas e famílias podem ser beneficiadas com esse procedimento.
Geralmente, as pessoas estão no seu pior momento quando buscam a mediação. Elas estão no auge do conflito, presas a sentimentos como raiva, rancor e frustração. Sua visão está embaçada. Elas têm dificuldade de ser claras quanto ao que querem e há um desejo latente de se vingar do outro, de provar que têm razão. Todos esses sentimentos e desejos tendem a reduzir sua capacidade de escuta e de fazer uma escolha racional que vá, de fato, na direção da resolução de seu problema. Além disso, apesar de todos os benefícios que a Mediação propicia, fato é que a mesa de negociação, com protagonismo e autonomia dos mediandos, exige muito da disponibilidade emocional dos envolvidos.
Por isso, acredito que a confiança do mediador no método, proveniente de sua capacidade técnica aliada à sua experiência na prática, faz toda a diferença para que as pessoas se sintam seguras para aderir à Mediação e para seguir em frente nos momentos mais desafiadores. Há situações em que precisamos "segurar nas mãos" dos mediandos e dizer: "Confiem"; "Não desistam. Estamos aqui com vocês. Já trabalhamos em situações similares e é possível avançar". É claro que é preciso saber o limite desse suporte, para não corrermos o risco de sobrepor o protagonismo dos mediandos, princípio tão caro à mediação.
Recentemente, atuei em comediação no conflito de um casal que resolveu se divorciar, após décadas de união e com dois filhos comuns. O casal já havia tentado uma negociação com a colaboração de seus respectivos advogados, que não avançou e resultou na propositura de diversas ações judiciais. O conflito estava bastante escalado, havia mágoas tanto da relação conjugal quanto das atitudes adotadas no decorrer da negociação. Mariana[1] nos procurou, dizendo que queria tentar uma mediação, pois Miguel1, seu filho mais velho, implorou para os pais pararem de brigar. Um filho que tinha seus desafios emocionais e não queria se ver submetido a avaliações psicológicas; um filho que pedia paz. Houve muitas situações desafiadoras no decorrer da mediação, com "ameaças" de desistência de ambos os lados, mas seguimos firmes e, em alguns momentos, dissemos expressamente: "confiem no nosso trabalho e na capacidade de vocês de chegarem a um denominador comum e alcançarem a paz". Concluímos com um acordo e uma avaliação que apontou extrema satisfação com o procedimento e a intenção de indicá-lo para outras pessoas.
Assim, hoje, consigo explicar melhor minhas ressalvas quanto à isenção dos mediadores sobre a decisão de iniciar ou prosseguir com uma Mediação. Certamente, a vontade dos mediandos deve ser sempre respeitada, mas, nos momentos em que eles se sentirem fragilizados e perdidos e nós, mediadores, acreditarmos que existem condições reais de avançar, considerando o caso concreto, podemos (e devemos) mostrar a eles a nossa confiança quanto aos benefícios do método e a nossa convicção de que vale a pena prosseguir.
* Leila Amboni - Mediadora de Conflitos, formada pelo MEDIARE; Advogada, graduada pela UERJ; Pós-graduada em Direito do Estado e da Regulação pela FGV/RJ; Sócia do escritório Amboni e Pieratti Advogadas; Coordenadora do Setor Família e Sucessões da Câmara MEDIARE; Supervisora de Mediação na Defensoria Pública e no Ministério Público do Rio de Janeiro.
[1] Nomes fictícios para preservar a confidencialidade do caso.
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