Poderia ter sido de outra forma!
Era uma tarde chuvosa e eles entraram molhados na sala. Em seus rostos escorria a água da chuva que se confundia com as lágrimas. Eles já não sabiam mais conviver de outra forma que não fosse pelas agressões verbais.
Sentamo-nos e suas cadeiras se distanciaram da mesma forma e rapidez que suas vidas. Não se olharam.
Conforme eu falava sobre como seria a nossa reunião, sentia os arrepios em seus corpos e o temor tomando conta da situação.
Ofereci um café e conversamos sobre a temperatura, a chuva, o feriado próximo, o verão, a praia, a noite quente... Descontraímos. E começamos, nós três, uma conversa, um pouco sem jeito, e aos poucos eles disseram muito timidamente suas mágoas.
Não conseguiam exprimir qualquer acontecimento positivo, só as tristezas que assombravam um ao outro.
Continuamos e a minha melhor possibilidade era ouvir. Ah, isso eles gostaram. E como gostaram de poder falar. Eles não sabiam, ainda, que também ouviam.
Suas falas eram rasgadas e carregadas de tristeza e sentimentos ainda indefinidos e necessidades não atendidas. Era tudo muito novo, assustador. Sentiam-se perdidos. Isso eles concordavam.
Durante duas horas apenas ouvi. E pude compartilhar com ambos a minha empatia e estabelecer uma relação de confiança para continuarmos juntos num próximo encontro. Era muita novidade para eles: poder falar, poder ouvir e a possibilidade de poder entender. Ainda era assustador. Ficaram bem e com a determinação de uma nova reunião.
Antes, pedi para eles, como trabalho de casa, que trouxessem por escrito (é didático) qual seria a ‘separação dos sonhos’.
Na semana seguinte, não chovia. Eles chegaram quase ao mesmo tempo. Já se olhavam, mas não se viam.
Sentamos e conversamos como foi a semana deles. Trouxeram suas vidas sem vida, ainda muito temerosos com o que viria para eles, entre eles.
Perguntei sobre o trabalho de casa e, rapidamente, ambos sacaram seus papéis, já aflitos para começar a ler. Então, eu trouxe para eles uma dinâmica: que trocassem os papéis, que cada um lesse o que o outro escreveu.
No primeiro momento, se olharam e ficaram parados por uns 10 segundos e só em seguida trocaram.
Ela começou a ler e já no terceiro item caiu aos prantos. Parou. Ele, em seguida, leu o que ela escreveu. Nem repetiu. Também chorou. Ficamos ali por mais ou menos uns 10 minutos em silêncio total, só quebrado pelo som dos soluços.
A primeira ideia do que seria a separação dos sonhos era respeito. Ambos escreveram a mesma coisa. A segunda era reconhecer toda a dedicação com a família. Ambos escreveram a mesma coisa.
Quando puderam e quiseram, eles se olharam e começaram um novo diálogo diferente daquele do primeiro dia, ainda carregado com muita emoção, mas percebi uma leve ondulação na voz. Era a suavidade querendo emergir no meio do rancor.
Fiz uma pergunta reflexiva quando foi apropriado: como eles gostariam de se ver daqui a 10 anos. E eles se olharam de novo, mas, dessa vez, percebi que eles se viam. Ficamos em torno de umas 3 horas nessa reunião.
Trouxeram suas mágoas do passado, puderam falar e ouvir. Começaram a pontuar questões anteriormente não percebidas, esclareceram pontos de vista, reclamaram, reconheceram, entenderam e compreenderam.
Marcamos uma terceira reunião. Estavam cansados, mas com um novo semblante quase que iluminado chamado possibilidade.
Em nossa terceira reunião, chegaram juntos. Um esperou o outro na entrada. Sorriam, se olhavam e se viam. Ainda traziam uma certa desconfiança, mas abertos a possibilidades de uma nova história. Sim, eles decidiram contar uma nova história. Fizeram vários arranjos, acordos provisórios e o compromisso de fazer o melhor para restabelecer uma comunicação compassiva e determinados a fazer uma separação mais tranquila.
Uma das decisões foi não fechar a empresa. Sim, eram sócios com 40 colaboradores. Entenda-se 40 famílias, sem contar seus clientes e parceiros. O compromisso foi um passo de cada vez, foram encarando o dia a dia e percebendo como se comportariam diante de tantas novidades.
Foi indispensável uma quarta reunião onde estabeleceram procedimentos internos e externos para a empresa, transformando o relacionamento organizacional e a capacidade de negociar situações adversas. Consequentemente, tomada de decisão assertiva.
E você quer saber da empresa? Ela continua. E muito bem, ambos a dirigem com suas novas histórias. E as 40 famílias, os parceiros e os clientes também puderam contar uma história de sucesso.
E você, já decidiu que história você quer contar da sua vida?
* Márcia Rosa, fundadora da Márcia Rosa Consultoria, formou-se em direito e a litigância não era suficiente para ela. Então começou a buscar outras possibilidades de resolver os problemas de seus atendidos e os dela também. E fez mestrado em Sistemas de Resolução Conflitos e se especializou em mediação de conflitos, arbitragem, conciliação, negociação, neurociência, programação neurolinguística, coaching e comunicação não violenta. Estuda filosofia, sociologia e antropologia, buscando sempre ser uma profissional – e também uma pessoa – melhor.Ainda atua em gestão de empresas e em empresas familiares durante seus mais de 20 anos no seguimento dos pequenos negócios.Hoje, Márcia ajuda as pessoas a se reinventarem. Ela não decide nada por ninguém, mas com todas as técnicas que possui e com toda a experiência que desenvolveu ao longo dos anos, ajuda – tanto pessoas físicas quanto jurídicas – a resolverem suas questões da melhor maneira possível, colaborando para que se sintam legitimados, reconhecidos e empoderados.