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A disputa do "bebê conforto"


Durante a nossa formação como mediadores, ouvimos sempre sobre a importância de, na mediação, cada parte levar em consideração as necessidades da outra parte. Aprendemos que existe uma interdependência: para uma parte ficar satisfeita, é necessário cuidar para que a outra parte também tenha suas necessidades atendidas. Caso contrário, esta não aceitará os pedidos e termos propostos pela outra. Na prática, sempre cuidamos de lembrar isso aos mediandos no início de uma mediação.


Participei uma vez de uma mediação onde a aplicação desse princípio foi muito marcante. Era um caso de JECRIM (Juizado Especial Criminal), um conflito que havia escalado até uma briga (vias de fato) entre duas primas por causa do empréstimo e devolução de um “bebê conforto”, um apetrecho que quem tem filho pequeno conhece bem, uma peça para apoio e transporte de bebês. A história narrada pelas partes aconteceu numa vila onde moravam vários membros da família, em casas diferentes. Era bastante confusa, já que envolvia os vários membros da família – pais, maridos, irmãs das moças – tanto no processo de empréstimo e devolução do bebê conforto quanto na discussão e briga física consequente. E, também, o conflito aconteceu em vários momentos diferentes no tempo, cheio de idas e vindas. Organizar o que havia ocorrido, definindo os atores e a cronologia dos fatos era uma tarefa árdua e parecia não contribuir muito para a resolução do conflito. Ao contrário, embora tivéssemos a impressão de que ambas desejassem a reconciliação, o problema aparentava só aumentar.


A mediação ocorria no CEJUSC (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) e não tínhamos muito tempo disponível para conduzir a sessão. Foi então que, em uma troca rápida de ideias com a minha comediadora, decidimos buscar um caminho diferente: em vez de tentar entender em detalhes o ocorrido, partimos para a estratégia de identificar e trabalhar imediatamente com as necessidades das partes, ou seja, focar desde o início em uma visão prospectiva e de satisfação mútua. Fomos perguntando e explorando com as moças os sentimentos e necessidades de cada uma em relação ao ocorrido. No centro da mesa, escrevemos num papel os sentimentos e necessidades comuns às duas. Pedimos que olhassem para aquela lista e refletissem um pouco, em silêncio. Após alguns minutos fizemos a elas uma pergunta que mudou profundamente a dinâmica vivida por ambas até então. Em vez de perguntar como gostariam de ter suas necessidades atendidas, perguntamos a cada uma: o que você acha que poderia fazer pela outra parte para que ela tenha suas necessidades atendidas?


Ao propiciar a ambas a possibilidade de serem protagonistas da solução do problema – ter o poder de fazer algo a respeito – e ao mesmo tempo oferecer à outra parte um gesto de cuidado, de conciliação e de preocupação com o atendimento de suas necessidades, a situação conflituosa foi desarmada quase que magicamente. Elas foram relaxando, voltando a se olhar, dialogar diretamente (sem a intervenção dos mediadores), e passaram a oferecer à outra movimentos de aproximação, ou seja, uma mudança radical de comportamento.


Tivemos como resultado dessa mediação um acordo muito simples de reconciliação e convivência familiar. As primas saíram abraçadas e emocionadas da sala de mediação, surpreendendo os familiares que as esperavam na sala de espera do CEJUSC.


Ao final da mediação, na conversa que sempre temos - a equipe de mediadores e os observadores - para analisar a mediação, celebramos felizes o resultado e refletimos sobre como, de fato, “se colocar no lugar do outro” é uma ferramenta tão importante da mediação e, também, para se viver em harmonia e paz nas relações interpessoais em geral.


*Graduado em Direito. Pós-Graduado e Mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial. Formação em Coaching, formação plena em Mediação de Conflitos - MEDIARE, certificado pelo Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML). Mediador da Câmara MEDIARE, da Câmara AEB, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), da Câmara FGV-RIO, do Tribunal de Ética e Disciplina e da Câmara Privada da OAB/RJ e do CEJUSC da Comarca da Capital – Varas Empresariais, de Família e Cíveis. Experiência em gestão empresarial, em marketing de serviços, em coaching de conflitos condominiais e empresariais e em mediação judicial e privada.


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