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Rumo à casa do reencontro!

Eis que recebo o convite para, no início das minhas férias de janeiro, mediar um conflito instalado entre tios e sobrinhos, que residem em Arcoverde, envolvendo a propriedade de um imóvel e a sociedade de uma empresa. No dia marcado para a sessão de mediação, tinha pré-agendado um dia de confraternização com algumas amigas na praia de Itamaracá, que por sinal era um dia lindo de sol. Mas ao final, resolvi o impasse e aceitei o convite, honrada com a confiança, e conclui: quando a mediação me chama, é pra lá que eu vou!!


Então, às 8h da primeira quinta-feira de 2019 segui com a advogada da “tia” rumo à Arcoverde, cidade do sertão pernambucano, cerca de 250km de distância de Recife, onde estariam todos nos esperando para a mediação às 14h.


Ao longo da viagem, pude aproveitar as belezas das paisagens da estrada enquanto ouvia seu relato sobre o conflito instalado em sua família e a informações sobre a ação anulatória com pedido de tutela provisória de urgência que tramita há mais de um ano, que pleiteia a nulidade da transferência do imóvel que está em nome da “tia”(ré na ação), onde funciona a empresa cujos sócios são o “tio”(autor da ação) e o primo “Luiz”, que não é parte na ação.


Chegando à cidade nos dirigimos à antiga casa onde seu pai (falecido) viveu. Uma casa simples, aconchegante, cheia de lembranças, onde iria ser realizada a mediação e o local apropriado para acolher aquele momento de reencontro dos únicos irmãos vivos daquela família, que estavam em conflito.


A princípio, eram esperados apenas os primos “Zé” e “Antônio” que viriam representando “tia” e “tio”, ambos idosos. Primeiro chegou o primo “Zé”, filho de “tia”, que administrava a empresa de “tio”. Enquanto esperava a chegada de “tio”, fiz uma pré-mediação com advogada e seu primo “Zé”. Foi tempo suficiente para a chegada do primo “Antônio”, que veio acompanhado da advogada e de “tio”, para surpresa de todos, visto que é conhecido por seu temperamento difícil e explosivo. Com a presença de “tio”, a advogada de “tia” sugeriu chamá-la para estar presente também, e enquanto o primo “Zé” foi buscá-la, fiz a pré-mediação com o primo “Antônio”, o “tio” e sua advogada.


Percebi que a postura colaborativa das advogadas que conheciam a mediação favoreceria a construção do consenso. O processo judicial estava suspenso a pedido da advogada de “tia” (ré no processo judicial) para a realização da mediação extrajudicial, com a anuência da advogada de “tio” (autor do processo judicial), e ambas compreendiam a importância da solução consensual das questões para o restabelecimento dos laços familiares.


Mas enfim, iniciamos a sessão conjunta com todos presentes num grande círculo ao redor da mesa da sala de estar. E antes que começasse a minha abertura, comentaram saudosamente quanto tempo não entravam naquela casa. Percebia-se em seus semblantes a emoção de voltar àquela casa cheia de lembranças da família reunida, mas mesmo assim não conseguiam dirigir o olhar para o outro.


Após a abertura o primo “Zé” começou a falar, e como já esperava iniciaram as interrupções, mas aos poucos avançaram com a explicação de todas as questões que necessitavam de esclarecimento, em razão do prejuízo causado pela falta de comunicação. Apesar de reiterar a importância da fala sem interrupções, a “tia” interrompia provocando seu irmão e sobrinho, até que conseguiu falar do seu sentimento de decepção pelo irmão tê-la processado sem antes conversar. Enquanto a “tia” falava seu irmão ouvia atentamente, embora de cabeça baixa.



Considerando a necessidade de aprofundarem algumas questões e construírem opções para a solução fomos para a sessão privada, começando com o “tio”, a advogada e o primo “Antônio”, enquanto os demais aguardaram no terraço da casa e vice-versa.


Voltando para sessão conjunta, ambos apresentaram propostas que não foram aceitas, considerando suas posturas posicionais e distantes. O primo “Zé”, propôs que o tio pagasse R$ 300.000,00 referente ao valor investido por sua mãe e seu irmão “Luiz” no negócio, em 10 parcelas podendo chegar até 20 parcelas, e a propriedade do imóvel onde funciona a empresa que consta no nome de sua mãe seria transferida para o “tio”. O primo “Antônio”, alegando dificuldade financeira, propôs pagar R$ 50.000,00 em 50 parcelas e a transferência da propriedade do imóvel para o “tio”. Ambos concordavam que a propriedade seria transferida para o “tio”, mas os valores não caminhavam para a convergência. Mas aos poucos a ponte do diálogo começava a ser construída.


Com o auxílio e orientação de suas advogadas construíram uma solução que foi aceita por todos, ficando acertado que o primo “Luiz” sairia da sociedade com o “tio”, sendo concedido o prazo de 120 dias (tempo necessário para o tio conseguir empréstimo no banco) , contados a partir do registro da alteração da sociedade na JUCEPE, para depósito do valor de R$ 300.000,00, e mediante comprovação do depósito a “tia” se compromete a assinar escritura de transferência da propriedade para o “tio”, constando a cláusula penal para o caso de descumprimento por uma das partes. Coube às advogadas redigirem o termo de acordo para solicitar conjuntamente homologação ao juiz da causa, constando o primo “Luiz” como anuente, considerando a possibilidade de, no caso de indeferimento da homologação pelo juiz da causa, apresentarem pedido conjunto de desistência da ação e em seguida ingressarem com ação de homologação de título extrajudicial.


Enfim, após cerca de quatro horas seguidas de mediação, todos colocaram um ponto final naquele conflito para que a família inicie a reconstrução de seus laços. E quando tudo já havia sido finalizado, a “tia” confessou seu amor pelo irmão e se comprometeu em procurá-lo.


Como processo autocompositivo e dialógico, a mediação promove a aproximação das partes, como uma “mágica arquitetura do diálogo – uma prática interativa, um momento em que a expressão, a escuta e a indagação que busca o esclarecimento são compartilhadas, visando a um pensar e a um refletir conjunto”.


Seguindo viagem de volta para Recife, contemplando o pôr do sol sobre o sertão pernambucano, refletindo sobre a informalidade do processo de mediação, o ambiente acolhedor que promove o entendimento e os benefícios que a mediação promoveu para todos os envolvidos, com a oportunidade de dialogar, entender o outro, além da construção conjunta da solução pelas próprias partes, resumi essa experiência em uma palavra: GRATIDÃO!


*Os nomes reais foram trocados para preservar a confidencialidade do processo.


*Soraya Nunes é mediadora certificada pelo Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML), presidente da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem da OAB/PE e coordenadora do comitê executivo da CAMARB Recife.

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