E NÃO VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE
Muito se fala sobre o papel da mediação como instrumento de paz social, ou da função do(a) mediador(a) na promoção da aproximação e – idealmente – reconexão entre as partes do processo de mediação.
Mas seria justo depositar-se toda essa responsabilidade nos já tensos e preocupados ombros do(a) mediador(a)? Seria justo esperar do(a) mediador(a) que, além de conduzir o processo, utilizando todas as boas técnicas da mediação, auxiliando as partes na condução de negociações visando o acordo, ainda devesse preocupar-se com o relacionamento (ou não) que as partes passarão a ter findo o processo?
Em um processo de mediação em que as partes não indicam desejar a reconexão entre elas, deveria essa ser uma preocupação do(a) mediador(a)?
Algum tempo atrás tive a oportunidade de mediar um caso bastante interessante, e que despertou ainda mais em mim a reflexão posta acima.
Era uma dissolução de sociedade de prestação de serviços. Os sócios, por razões mais de cunho pessoal do que profissional, já não se suportavam mais. Uma das partes propôs a mediação e a outra, quase que por milagre, aceitou participar de uma sessão.
Já no primeiro encontro foi possível perceber a enorme tensão que existia entre eles; no segundo encontro, essa tensão se transformou em agressões verbais, o que fez com que a terceira sessão fosse um verdadeiro desastre – blefes, xingamentos e, objetivamente, nenhum avanço em negociações.
Àquela altura a opção mais sensata para prosseguir com a mediação foi a de passar a realizar encontros isoladamente com cada uma das partes. Algumas vezes, até mesmo em dias distintos, para que sequer precisassem cruzar nos corredores. E assim foi feito. E os dias foram passando e as negociações avançando. As horas que antes eram utilizadas em discussões acerca da responsabilidade de um ou outro por eventos ocorridos no passado deram lugar a discussões focadas na dissolução da sociedade, divisão de ativos, administração de passivo. Seria uma dissolução complexa e que certamente tomaria alguns meses de encontros para ser efetivada.
As conversas (sempre em sessões privadas) fluíam bem até que uma das partes sugeriu que uma pessoa de confiança de ambos passasse a tomar as medidas de ordem prática para a dissolução da sociedade. Na sessão seguinte, a outra parte aceitou e, assim, foi encerrada a mediação.
Naquele momento não havia acordo entre as partes sobre os detalhes da dissolução, e menos ainda qualquer conversa direta entre elas. Mas os mediandos, àquela altura, conseguiram encontrar uma forma de restabelecer a comunicação entre eles, mesmo que por vias transversas. A mediação havia cumprido sua função.
Meses depois tive contato com uma das partes, que me confidenciou que a dissolução havia sido concluída, sempre intermediada pelo terceiro escolhido pelas partes e que, nem durante as discussões acerca da dissolução, e nem depois, havia tido qualquer contato direto entre os antigos sócios – e que tal situação persistia até hoje.
Esse caso me mostrou como, muitas vezes, a mediação irá, de fato, focar na resolução de uma questão visando o futuro, deixando as questões passadas para serem discutidas em outro foro, se for esse o desejo das partes.
Aqui, as partes deram fim à sociedade e seguiram seus caminhos, certamente bastante afastados. Possivelmente não se suportam até hoje, mas (con)viveram felizes com a escolha que fizeram.
*Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Sócia de PVS Advogados. Diretora de Mediação do CBMA. Professora de negociação, mediação e arbitragem. Vice-Presidente da Comissão de Mediação de Conflitos da OABRJ. Membro da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem do IAB. Autora de artigos na área de ADRs. Vice-Presidente do ICFML. JAMS Weinstein International Fellow.