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Minhas “maçãs”

Cada vez mais me convenço da enorme lacuna deixada pela falta de estudo, conhecimento e aprendizagem sobre o conflito no processo educacional formal da nossa sociedade. A consequência de não termos previsto a formação em resolução construtiva de conflitos desde os primeiros anos escolares é percebida no grau de maturidade com o qual lidamos com as nossas diferenças no ambiente familiar, social e profissional.

Essa constatação pessoal surgiu a partir dos diversos casos em que tive a oportunidade de atuar como mediador desde 1999. Não foi algo evidenciado logo início do meu percurso na mediação. Essa “maçã”, para fazer uma alusão ao momento em que Isaac Newton teve seu insight sobre a lei que explicaria a existência de uma força que atrai mutuamente todos os corpos, caiu à minha frente há pouco tempo. A inquietação vinha da minha necessidade de tentar compreender e ajudar a explicar o motivo pelo qual pessoas, com uma divergência significativa, dão início a um processo irracional de solução de conflitos que as leva a agir contra si mesmas, como se fossem atraídas por uma força gravitacional que as impele em direção ao agravamento extremo da situação adversarial em que se encontram.

Nas idas e vindas entre textos e livros acabei me deparando com um modelo de escalada do conflito desenvolvido por um austríaco chamado Friedrich Glasl. Ao ler e reler o modelo, a lembrança de casos e mais casos mediados ao longo dos anos era inevitável. Era possível identificar em que ponto da escalada estavam as partes, o que possivelmente estava acontecendo e quais estratégias poderiam ter ajudado a “desescalar” aquele conflito. À medida em que me valia desse conjunto de informações, passei a testar se poderia ser aplicado aos mais diversos tipos de casos, desde disputas envolvendo relações consumeristas até conflitos familiares, passando por divergências na área empresarial. Para minha surpresa, o modelo caía como uma luva.

Incluí o modelo nos meus materiais didáticos e passei a utilizá-lo em sala de aula e também em palestras. Percebi que imediatamente alunos e participantes faziam uma conexão direta com o que estava propondo para reflexão e aprendizado sobre como um conflito surge e se desenvolve. Revolvi fazer um teste com alguns clientes. Mostrava o modelo graficamente, explicava rapidamente as fases ou etapas da escalada do conflito e pedia para que identificassem onde se encontravam na situação conflitiva. Novamente, conexão imediata. Compreensão rápida e, sobretudo, consciência do que estava acontecendo e do que poderia acontecer caso não interrompessem a escalada. O modelo é representado em nove degraus, divididos em três grandes áreas, com três degraus em cada uma. A primeira grande área é definida como ganha-ganha, a segunda como ganha-perde e a terceira como perde-perde. Começa com o degrau que explica o nascimento do desacordo até terminar no último degrau chamado, sugestivamente, de “juntos para o abismo”. O modelo é referenciado também no Olé, um instrumento de análise de risco e planejamento estratégico para mediações disponibilizado gratuitamente pelo International Mediation Institute – IMI.

Impossível não me ver nos degraus quando me percebo envolvido nas minhas próprias disputas. Às vezes me pergunto se não seria melhor não ter conhecido o modelo, ansiando momentaneamente por um “desconto” no preço que a consciência nos cobra por cada atitude que temos quando enfrentamos os próprios conflitos. Concluí que é melhor saber do que permanecer ignorante frente a essas situações. O aprendizado que surge a partir da minha própria experiência me ajuda a ajudar outras pessoas. Assim consigo fazer a minha parte para diminuir a angústia da constatação que narrei no início dessa minha “fala”.

Se vamos conseguir preencher a lacuna da falta de conhecimento sobre o conflito e aumentar nossa maturidade em como lidar com ele de forma construtiva, não consigo responder ainda. Minha certeza reside no fato de que devemos tentar e continuar procurando formas de incluir esse conhecimento de maneira simples, mas eficaz, como fez o nosso amigo Glasl e como cada um de nós pode fazer dentro do contexto onde atua. Não são as “maçãs” caindo das árvores que mudam o mundo em que vivemos. São os nossos olhares atentos que permitem a convergência de uma mudança a partir de um simples movimento.

*marcelo@m9gc.com

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