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Dois Irmãos a frente da Empresa da Família: parceria ou confusão?

Uma chuva fina e gélida escorria pela janela quando Liz ouviu a chaleira apitar. Um chá seria a forma perfeita de aquecer aquela tarde de inverno nas montanhas. Enquanto derramava a água fervendo em sua xícara preferida, olhava o filho e o marido dormindo abraçados no sofá e pensava no quanto havia sido acertada a decisão de deixar a diretoria de marketing da empresa da família para se dedicar integralmente à gravidez, ao marido e à sua casa. Cinco anos haviam se passado desde a decisão mais importante de sua vida, sem um único instante de arrependimento. Durante esse tempo, transformou sua casa em um lar e seu relacionamento em uma família. Nada fazia mais sentido para ela.


Do outro lado do mundo, Thomas aproveitava suas mais do que merecidas férias após cinco anos de trabalho ininterrupto na empresa da família. Estava no Havaí com os amigos quando recebeu um telefonema inesperado. Era sua mãe, aos prantos. Imediatamente ele soube que havia acontecido algo muito ruim. Depois de acalmar a mãe por alguns minutos teve a triste notícia de que seu pai acabara de falecer, após um infarto fulminante. Thomas arrumou suas coisas e pegou o primeiro voo de volta.


Chegando à casa dos pais, encontrou a mãe arrasada mas sendo consolada pela irmã mais velha Liz e pelo cunhado Benjamin. Ficou feliz por ter uma família tão unida.


Os dias seguiram tristes e sombrios com preparativos para funeral, missas e homenagens ao pai, um homem honrado e muito querido por todos - amigos e funcionários. Os irmãos permaneceram unidos, dividindo-se na tarefa de acolher a mãe, que seguia inconsolável.


Dois meses haviam se passado quando em uma segunda feira como outra qualquer, Thomas chegou para trabalhar como sempre fazia e encontrou Liz em seu escritório já em reunião com os funcionários.


Sem entender o que estava acontecendo, Thomas chamou Liz para uma conversa particular. Em sua sala, fez dois cafés e tentou se acalmar antes de expressar o turbilhão de sentimentos que invadia seu peito naquele momento. A atitude da irmã era no mínimo invasiva e desrespeitosa. Quando finalmente conseguiu dizer as primeiras palavras, foi em tom acusatório. Em sua tentativa de argumentar, Liz foi se sentindo cada vez mais reativa, até que desistiu de entender ou explicar, bateu a porta e saiu.


Como acontecia todas as segundas, quartas e sextas desde a morte do pai, Thomas chegou para jantar com sua mãe pontualmente às 20h. Dessa vez não estava leve, descontraído e tentando trazer assuntos diversos para divertir D. Norma. Ao contrário disso, mostrou-se perplexo e com muita raiva. A mãe não demorou a perceber a diferença de atitude do filho e, depois de insistir um pouco, recebeu uma enxurrada de reclamações a respeito da irmã e de sua postura. Achava absurda a ideia de Liz simplesmente voltar à empresa sem nem ao menos consultá-lo. Ela que, cinco anos antes, havia comunicado sem qualquer antecedência ou preocupação que deixaria a direção de marketing e, desde então, sequer havia perguntado como iam os negócios da família; ela, que tinha resolvido virar dondoca e fazer aulas de pintura de porcelana à tarde, agora se achava no direito de simplesmente aparecer, desconsiderando por completo a existência dele; de dar ordens a seus funcionários, mudar decisões estratégicas que ele vinha sustentando com afinco pelos últimos anos, ao lado do pai... Foi uma noite dura e longa para os dois e Thomas acabou dormindo por lá mesmo, em seu antigo quarto.


No dia seguinte, os ânimos seguiram acirrados, houve muita discussão, ouviam-se gritos para todos os lados e percebiam-se funcionários sem saber a quem atender. Todos estavam muito apreensivos, pois nunca haviam vivenciado nada parecido antes. Até então, a empresa sempre havia sido conhecida por prezar pela colaboração, pela conversa franca e pelo bem estar de seus funcionários.



À noite, como acontecia todas as terças, quintas e sábados, Liz, Benjamin e Patrick foram jantar “na casa da vovó". Costumavam ser encontros alegres pois Patrick conseguia tirar gargalhadas de D. Norma, mesmo nos piores momentos. Os dois tinham uma relação forte e muito bonita. Mas não naquela noite. Liz já chegou transtornada com a audácia do irmão mais novo. Ele estava muito enganado se achava que sabia mais do que ela. Ela fundou a empresa ao lado do pai e trabalhou arduamente enquanto o irmão ainda era um fedelho no colégio. Como ele ousava pensar que ela não saberia o que era melhor para a “empresa dela”?! O jantar foi um tormento e a mãe, por mais que tenha tentado, não conseguiu nem ao menos acalmá-la, que dirá conversar. Liz esbravejou a noite inteira e foi embora sem ouvir uma palavra sequer do que D. Norma tentou lhe dizer.


Semanas se passaram e com elas mais mágoas e ressentimentos foram se acumulando. Amigos e familiares tentaram de ambos os lados fazer com que os irmãos se entendessem, mas sem sucesso.


Numa manhã de domingo, D. Norma decidiu pedir ajuda ao casal de padrinhos de Liz e Thomas. Norberto e Catarina eram amigos incansáveis e sempre tinham um conselho sereno e sábio. Dessa vez, quando mais precisava, não haveria de ser diferente.


Os amigos estiveram juntos por todo o dia, até quase escurecer. Haviam combinado que Norberto tentaria botar juízo na cabeça dos afilhados. Já estavam se despedindo quando Laura, filha do casal, chegou para uma visita inesperada.


Catarina trouxe mais um bule de chá na expectativa de que pudessem ouvir a opinião de Laura, amiga de Liz e Thomas desde sempre.


Laura não teve dúvidas em dizer: "Tia Norma, a morte repentina do Tio Roberto abalou a todos nós, que o amávamos muito. Certamente os meninos devem estar muito sentidos e atordoados. Posso apostar que o desafio pelo qual os meus amigos estão passando nesse momento é, em meio a tanta confusão interna, conseguir compreender e expressar com clareza o que realmente importa para cada um, escutar com empatia as necessidades, os interesses e as preocupações do outro e, a partir desse mapeamento inicial, construir em parceria uma solução que contemple toda a família. Eles precisam de um mediador de conflitos. Deixe comigo, Tia: amanhã mesmo conversarei com os dois e apresentarei a eles uma dupla de mediadores que foi simplesmente incrível quando da dissolução da minha sociedade, tempos atrás."


Com o coração leve como há tempos não o sentia e com a certeza de ter encontrado o caminho que levaria seus filhos a convergirem suas energias, ao invés de dividirem forças, D. Norma estendeu sua visita, propondo um vinho do porto pela alegria daquele encontro.


("A seguir cenas do próximo capítulo", ou melhor, no nosso próximo post: a mediação entre Liz e Thomas)

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