O DEVIR MEDIADOR: NÃO SE FORMA UM MEDIADOR, TORNA-SE MEDIADOR
A Mediação, enquanto método para a desconstrução, transformação ou resolução de conflitos vem se consolidando cada vez mais desde a década de setenta. Mais recentemente, com o advento da Lei de Mediação e do novo Código de Processo Civil ganhou maior presença e visibilidade nos diferentes espaços de convivência.
Se antes era percebida como uma técnica ou ferramenta, hoje é possível dizer que passa a fazer parte da visão paradigmática do mediador. Seu ser já está afetado por uma nova ótica, um novo modo de ser, estar e conviver no mundo. Podemos dizer que existe, então, uma postura mediadora, que integra empatia, capacidade de manter rapport, compaixão ou atitude humanista e, especialmente, aplicação incondicional dos princípios éticos na vida cotidiana.
O singelo caso que passamos a narrar, aconteceu no verão deste ano, em ambiente familiar. Naturalmente que as características peculiares desse encontro afastam a aplicação do fluxo do procedimento de mediação em todas as suas etapas. Tudo aconteceu em um único momento e parece ter reverberado positivamente nas vidas de todos os envolvidos, cujos nomes foram preservados.
Simão já passou da meia idade. Tem na vida duas alegrias – as filhas já formadas, bem colocadas profissionalmente e casadas. Por várias vezes comentava-se acerca de seu orgulho por ter cumprido bem o seu papel de pai.
No último janeiro observamos que ele, antes comunicativo, confiante e sorridente, estava nostálgico. Já não caminhava na orla da praia, não voltou ao grupo de xadrez e não compareceu ao jantar de aniversário de uma sobrinha. Em uma manhã de domingo, enquanto o observávamos na área da piscina do condomínio com o celular na mão, percebemos que buscava mensagens e parecia estar bastante aflito.
Decididas a descobrir o que se passava aproximamos nossas cadeiras.
- Olá Simão, como vai?
- Não muito bem, sabe?
- Como assim? Sempre foi tão animado...
- Ah, estou chateado. Minha filha não tem ligado. Deve estar zangada comigo ou com problemas.
- Quer falar sobre isso?
- Pois então... eu conversei com a mais velha e disse que estou preocupado com a caçula. Sugeri que falasse com a irmã e alertasse sobre o tempo que ela está perdendo nesse casamento. Que deve resolver sua vida com o marido, e que eu acho que ele não quer nada com nada. Agora, a caçula se afastou de mim.
- O que te faz acreditar que ela deva se separar, Simão?
- Sei que esse casamento não tem futuro. Há dois anos está complicado. Tudo bem que ele perdeu a mãe, mas tudo isso já passou. Luto tem que acabar, ele tinha que seguir em frente... Simão faz uma pausa e continua: eu perdi meus pais e tive que seguir...
- Ah, sim...
- Quando eu falo com ela pelo celular e pergunto sobre ele, ela desconversa. Acho que já nem têm paciência. Devia resolver logo. Está perdendo tempo. Vai se arrepender.
Naquele momento, a esposa que chegou, resolveu interferir:
- Simão, para de se meter! Que mania! Deixa ela decidir. A vida é dela! O marido passou por dificuldades, perdeu a mãe, perdeu o emprego, convive com o sucesso profissional dela. Ele diz que fará concursos. Está estudando...
- Você não sabe de nada. Isso é desculpa dele! Ela deve gostar dele, se não já teria resolvido. Isso não vai mudar!
- Simão, você é o dono da verdade, né? Sabe tudo!
A esposa de Simão parecia muito irritada com a pressão do marido sobre o genro e com sua incapacidade de perceber as perdas do rapaz, em tão curto espaço de tempo. As diferentes percepções levavam à escalada do conflito.
Sentados sob o guarda sol, em companhia do casal em dissenso, qualquer fala amiga nos pareceu insuficiente. Nos entreolhamos e quase que automaticamente ativamos a postura mediadora.
Então, uma de nós, sugeriu:
- Queridos, sabem o quanto os admiramos. Que tal conversarmos sobre essa questão, que tanto mexe com vocês, usando os conhecimentos de nossa prática em mediação?
Simão aquiesceu e logo estávamos cartografando o conflito,
identificando as questões, sentimentos, pensamentos e as necessidades de todos envolvidos. Pareceu-nos que, pela primeira vez, Simão percebia a situação de forma mais ampla. Conseguia ouvir a esposa sem contestá-la. Ambos logo identificaram a necessidade de mudança na forma de lidarem com a situação. Ao nos despedirmos disseram o quanto se sentiam melhor e agradeceram a conversa.
Na semana seguinte a filha foi visitar os pais. Parecia alegre e carinhosa. Quando surgiu uma oportunidade eles nos contaram que estavam contentes, que saíram para jantar e a cordialidade foi a tônica daquela noite. Simão e o genro, que antes mal se falavam, conversaram bastante.
Ele comentou que decidiu deixar de pressionar a filha. Disse que ao tentar evitar o seu sofrimento conseguiu afastá-la. Foi o oposto do que desejava. Falou que torce para que, muito em breve, o genro se reempregue, e confessou que sonha com seu primeiro neto, para alegrar suas vidas.
Quanto a nós, vivenciamos concretamente a real diferença entre formar-se mediador e tornar-se mediador.