Mediação, a revolução - Parte II
Logo depois de terminar minha formação como mediadora, comecei a devorar a bibliografia do curso (a formação foi tão intensa que durante aquelas felizes semanas mal tive tempo de respirar).
Um dos primeiros livros que eu li se chama “O Poder do Não Positivo”, escrito pelo William Ury (ed. Elsevier). A premissa do autor é a seguinte: pessoas que se encontram em uma situação de conflito, quando precisam dizer “não”, costumam agir de forma pouco produtiva.
Há pessoas que dizem um “não” agressivo. Preservam seus interesses a qualquer custo – inclusive em detrimento de suas relações. Dão muita importância às suas necessidades e não costumam dedicar um olhar atento para o outro. E assim pessoas se afastam, amizades são desfeitas, negócios são prejudicados.
Há ainda as pessoas que preferem evitar o conflito para preservar suas relações: ficam caladas ou simplesmente cedem, dizendo “sim” quando querem dizer “não”.
Ficar calado em uma situação de conflito significa deixar que as coisas aconteçam sem que você se implique, sem que tenha ingerência sobre situações que te dizem respeito. Ceder significa dar mais atenção ao outro do que a si mesmo – dizer “sim” quando a vontade é dizer “não” preserva relações, mas, assim como ficar calado, cobra um preço. Pessoas que tem o hábito de silenciar ou ceder ao longo das relações invariavelmente se sentem prejudicadas, exploradas, injustiçadas. Isso vem à tona na forma de rompimentos súbitos, de úlceras... Quem se identificou? Toca aqui!
A proposta do autor é que o leitor consiga dizer um “não” colaborativo. Um “não” que consiga equilibrar os interesses de todos. Um “não” que preserve as suas necessidades e as do outro. Um “não” que aproxime ao invés de afastar.
Quando eu li isso, fiquei eletrizada. Uau. É possível dizer “não” de forma colaborativa. É possível, durante um conflito, preservar as minhas necessidades e também as minhas relações. Quando conheci o “não positivo”, senti que ganhei na loteria. Bingo.
O não positivo é composto primeiro por um SIM, depois um NÃO, depois outro SIM.
O primeiro SIM tem a ver com autoconhecimento. Para dizer NÃO devo primeiramente aproximar-me - e apropriar-me - dos meus valores. O que eu quero defender com o meu NÃO? O que, afinal, é SIM importante para mim? Então, por exemplo, digo SIM para estar próxima da minha família – e por isso NÃO, não posso adiar minhas férias. Digo SIM para a saúde da minha filha e NÃO quando ela quer trocar o almoço por um doce.
O último SIM tem a ver com olhar para o outro. A última etapa do não positivo aproxima as pessoas em conflito. Então eu já disse SIM para os meus valores, NÃO para um pedido do outro e agora faço uma proposta que inclua o outro. Não posso adiar minhas férias mas SIM posso fazer algumas horas extras antes de viajar. Não pode comer doce agora mas SIM pode comer depois do almoço (ou pode escolher uma fruta haha).
Olhar para si, olhar para o outro.
A proposta desse texto não é adentrar nos detalhes da construção do “não positivo” – pra isso tem o livro. O que eu quero registrar é que, por meio desta e de outras fontes, a mediação me proporcionou um profundo processo de des-construção. Eu sempre tive dificuldade de dizer “não”. Como tantas outras mulheres da nossa cultura, aprendi desde pequena que agradar o outro era mais importante que atender às minhas necessidades. Por outro lado, vi muitas amizades ruírem ao meu redor quando reações agressivas surgem em meio a divergências.
Nas primeiras vezes que pratiquei o “não positivo”, precisei construi-lo em cada situação num passo a passo cuidadoso. Com o passar do tempo, incorporei a técnica e já a utilizo naturalmente. Eventualmente, no calor das emoções, minha tendência ainda é dizer “sim” quando eu quero – e preciso – dizer “não”. Mas aí eu me encho de confiança, tranquilidade e serenidade, pesquiso meus “sins” e digo: NÃO.
Em tempo: Na sequência desse livro li outro que vem iluminando meus caminhos diariamente desde então – Comunicação Não Violenta. Achei que ia dar tempo de falar dele nesse post mas... fica pro próximo.